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VISÃO GERAL DO NOVO CÓDIGO CIVIL
BRASILEIRO (*)
par Miguel Reale
Professeur Émérite de Philosophie du
Droit à l'Université de São Paulo,
Président de l'Insitut Brésilien de
Philosophie,
Membre de l'Académie Brésilienne des
Lettres,
Secrétaire d'État honoraire à la
culture,
Superviseur de la Commission de réforme
du Code Civil (1969-2002)
I.
Considerações iniciais
Sou grato
pela oportunidade de fazer uma síntese dos objetivos fundamentais do Novo
Código Civil, instituído pela Lei 10.406, de 10.01.2002, corn vigência um ano
após a sua publicação.
Compreendo o interesse dos amigos pela nova Lei Civil, pois,
como costumo dizer, ela é a "constituição do homem comum",
estabelecendo as regras de conduta de todos os seres humanos, mesmo antes de
nascer, dada a atenção dispensada aos direitos do nascituro, até depois de sua
morte, ao fixar o destino a ser dado aos bens deixados pelo falecido, sendo
assim, a lei por excelência da sociedade civil.
Como se
sabe, o novo Código Civil teve uma longa tramitação no Congresso Nacional, pois
foi no longínquo ano de 1975 que o Presidente Emesto Geisel submeteu à
apreciação da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 634-D, corn base em
trabalho elaborado por uma Comissão de sete membros, da quaI rive a honra de
ser o Coordenador-Geral.
Coube-me
a missão inicial de estabelecer a estrutura básica do Projeto, corn uma Parte
Geral e cinco Partes Especiais, convidando para cada uma delas o jurista que me
pareceu mais adequado, tendo todos em comum as mesmas idéias gerais sobre as
diretrizes a serem seguidas. A experiência longamente vivida veio confirmar o
acerto da escolha dos nomes de José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim,
Silvio Marcondes, Erbert Chamoun, Clovis do Couto e Silva e Torquato Castro,
respectivamente relatores da Parte Geral, do Direito das Obrigações, do
Direito de Empresa, do Direito das Coisas, do Direito de Familia edo Direito
das Sucessões.
Todos
eles uniam ao valor do saher e da experiência pessoais a predisposição a
examinar ohjetiva e serenamente as criticas feitas ao próprio trahalho, quer
por outros juristas, quer por instituiçôes especializadas, o que explica as quatro
redações que teve o Projeto, todas puhlicadas no Diáro Oficial da União, em
1972, 1973, 1974 e, por fim, 1975, para conhecimento de todos os interessados.
Como se vê, não estamos perante uma ohra redigida por um legislador solitário, por um Sólon ou Licurgo, como se deu para Atenas e Esparta, mas sim perante uma "ohra transpessoal", submetida que foi a sucessivas revisões.
Se
considerarmos que, depois, houve a apreciação de mais de mil emendas na Câmara
dos Deputados, e de mais de quatrocentas no Senado Federal, corn novo retomo à
Câmara dos Deputados, para novos estudos e discussões, pode-se proclamar o caráter
coletivo que veio assumindo o Projeto, não se perdendo, ao longo de mais de
três décadas, oportunidade alguma para atualizá-lo, em razão de fatos e valores
supervenientes, como se deu, por exemplo, corn as profundas alterações que a
Constituição de 1988 introduziu em matéria de Direito de Família.
É dificil, em poucos minutos, enumerar as mudanças operadas pela
nova codificação em todos os setores da vida civil, sendo mais aconselhável
mostrar quais foram os princípios que presidiram a sua elaboração, pois, como
bem observou Tomás Kuhn, as mais relevantes conquistas científicas dependem
sempre dos novos paradigmas que as condicionaram. Somente
assim é que tomamos ciência do progresso representado pelas alterações
realizadas na legislação do País.
Antes, porém, de fazer essa exposição, seja-me
permitido esclarecer qual foi minha participação pessoal na feitura do Projeto,
a começar pela tarefa de reunir, em unidade sistemática, as partes
atribuídas a cada um dos demais membros da Comissão. Tratava-se, em suma, de coordenar entre
si os Projetos parciais, de modo a não haver divergências ou conflitos de idéias.
É claro que, nessa delicada tarefa, não podia deixar de formular propostas
substitutivas ou de oferecer emendas aditivas para preencher possíveis lacunas.
Com a morte de Agostinho Alvim, Silvio Marcondes, C1óvis do Couto e Silva e
Torquato Castro, pareceu-me preferível substituí-los perante o Congresso Nacional,
continuando José Carlos Moreira Alves a colaborar ativa e proficientemente no
tocante à Parte Geral. O volume publicado pelo Ministério da Justiça, em 1984,
sobre as Emendas da Câmara, e o t. II editado pelo Senado Federal, em
1988, sobre o Projeto, são essenciais para se ter idéia da imensa colaboraçào
prestada ao Congresso pelos membros da Comissão por mim presidida.
2. Diretrizes seguidas na elaboração
do Anteprojeto
Foi criada, em 1969, uma Comissão Revisora e
Elaboradora do Código Civil, na esperança de ser aproveitada a maior parte do
Código Civil de 1916. Todavia, verificou-se logo a inviabilidade desse desideratum,
não podendo deixar de prevalecer a reelaboração, uma vez que a experiência,
ou seja, a análise progressiva da matéria veio revelando que novos princípios
ou diretrizes deveriam nortear a codificação. Por outro lado, em se tratando
de um trabalho sistemático, a alteração feita em um artigo ou capítulo
repercute necessariamente em outros pontos do Projeto.
Daí ficarem assentes estas diretrizes:
a)
Preservação do Código vigente sempre que possível, não só pelos seus méritos
intrínsecos, mas também pelo acervo de doutrina ede jurisprudência que em razão
dele se constituiu.
b) Impossibilidade de nos atermos à mera revisão do Código
Beviláqua, dada a sua falta de correlação com a sociedade contemporânea e
as mais significativas conquistas da Ciência do Direito.
c) Alteração geral do Código atual no que se refere a certos va/ores
considerados essenciais, tais como o de eticidade, de socialidade
ede operabilidade .
d) Aproveitamento dos trabalhos de reforma da Lei Civil, nas duas meritórias tentativas feitas, anteriormente, por ilustres jurisconsultos, primeiro por Hahneman Guimarães, Orozimbo Nonato e Philadelpho de Azevedo, com o anteprojeto do Código das Obrigações; e, depois, por Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira, com a proposta de elaboraçào separada de um Código Civil ede um Código das Obrigações, contando corn a colaboração, neste caso, de Silvio Marcondes, Theóphilo de Azevedo Santos e Nehemias Gueiros.
e) Firmar a orientação de somente inserir no Código matéria já
consolidada ou com relevante grau de experiência crítica, transferindo-se para
a legislação especial aditiva o regramento de questões ainda em processo de
estudo, ou que, por sua natureza complexa, envolvem problemas e soluções que
extrapolam do Código Civil.
f) Dar nova estrutura ao Código, mantendo-se a Parte Geral-
conquista preciosa do Direito brasileiro, desde Teixeira de Freitas -mas com
nova ordenação da matéria, a exemplo das mais recentes codificações.
g) Não
realizar, propriamente, a unificação do Direito Privado, mas sim do Direito das
Obrigações -de resto já uma realidade operacional no País -em virtude do
obsoletismo do Código Comercial de 1850 -corn a conseqüente inclusão de mais um
Livro na Parte Especial, que, de início, se denominou Atividades Negociais, e,
posteriormente, Direito de Empresa.
Essa estrutura não sofreu alteração nas duas Casas do Congresso
Nacional, não obstante as inúmeras emendas oferecidas ao Projeto original 634,
enviado pelo Govemo em 1975, após estudo pela Comissão Revisora das mudanças
ou propostas aditivas feitas por juristas de todo o País, bem como por
entidades de classe e até mesmo por leigos em Direito. A todas as sugestões foi
dada a devida atenção, de tal modo que, em virtude sobretudo das modificações
havidas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o Projeto 118/84, aprovado
finalmente na Câmara, se acha plenamente atualizado, inclusive quanto às
inovações introduzidas pela Constituição de 1988 no concernente ao Direito de
Família, como oportunamente se exporá.
3. Os três princípios fundamentais
A eticidade -Procurou-se superar o
apego do Código atual ao formalismo juridico, fruto, a um só tempo, da
influência recebida a cavaleiro dos séculos XIX e XX, do Direito tradicional
português e da Escola germânica dos pandectistas, aquele decorrente do trabalho
empírico dos glosadores; esta dominada pelo tecnicismo institucional, haurido
na admirável experiência do Direito Romano.
Não obstante os méritos desses valores técnicos, não era
possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a indeclinável participação dos va/ores
éticos no ordenamento juridico, sem abandono, é claro, das conquistas da técnica
jurídica, que coin aqueles deve se compatibilizar.
Daí a
opção, muitas vezes, por normas genéricas ou cláusulas gerais, sem
a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a fim de possibilitar a
criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos advogados, quer pelos
juízes, para contínua atualização dos preceitos legais.
Nesse sentido, temos, em primeiro lugar, o art. 113, na Parte Geral,
segundo o quaI "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração".1
E mais este:
" Art. 187. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercêlo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."
Lembro como outro
exemplo o art. 422 que dispõe quase como um
prolegômeno a toda à teoria dos
contratos, a saber:
"
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
Freqüente
é no Projeto a referência à probidade e a boa-fé, assim como à correção ( corretezza
) ao contrário do que ocorre no Código vigente, demasiado parcimonioso
nessa matéria, como se tudo pudesse ser regido por determinações de carater
estritamente jurídicas.
A socialidade – É constante o objetivo do novo Código no
sentido de superar o manifesto caráter individualista da Lei vigente,
feita para um País ainda eminentemente agrícola, corn cerca de 80% da população
no campo.
Hoje em
dia, vive o povo brasileiro nas cidades, na mesma proporçâo de 80%, o que
representa uma alteração de 180 graus na mentalidade reinante, inclusive em
razão dos meios de comunicação, como o radio e a televisão. Dai o
predomínio do social sobre o individual.
Alguns dos
exemplos dados já consagram, além da exigência ética, o imperativo da socialidade,
como quando se declara a função social do contrato na
seguinte forma:
" Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão
e nos limites da função social do contrato."
Por essa razão, em se tratando de contrato
de adesão, estatui o art.
422 o
seguinte:
"Art. 422. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou
contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao
aderente."
No caso
de posse, superando as disposições até agora universalmente seguidas,
que distinguem apenas entre a posse de boa e a de máfé, o Código leva em conta
a natureza social da posse da coisa para reduzir o prazo de usucapião, o
que constitui novidade relevante na tela do Direito Civil.
Assim é
que, conforme o art. 1.238, é fixado o prazo de 15 anos para a aquisição da
propriedade imóvel, independentemente de título e boa-fé, sendo esse prazo
reduzido a dez anos "se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua
moradia, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".
Por outro lado, pelo art. 1.239, bastam cinco anos ininterruptos
para opossuidor, que não seja proprietário de imóvel rural ou urbano, adquirir
o domínio de área em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tomando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua familia, tendo nele sua moradia. Para
tanto basta que não tenha havido oposição.
O mesmo
sentido social caracteriza o art. 1.240, segundo o quaI, se alguém
"possuir", como sua, "área urbana até duzentos e cinqüenta
metros quadrados, por cinco anos ininterruptos, e sem oposição, utilizando-a para
sua moradia e de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de dutro imóvel".
Um
magnífico exemplo da preponderância do princípio de socialidade é dado
pelo art. 1.242, segundo o quaI "adquire também a propriedade do imóvel
aquele que, continua e incontestavelmente, com justo título e boa-fé, o possuir
por dez anos".
Esse prazo é, porém, reduzido a cinco anos: "se o imóvel
houver sido adquirido onerosamente, com base em transcrição constante do
registro próprio, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele
tiverem estabelecido sua moradia, ou realizado investimento de interesse social
e econômico".
Nao vacilo em dizer que tem caráter revolucionário o
disposto nos §§ 4° e 5° do art. 1.228, determinando o seguinte:
"§ 4° O
proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado
consistir em extensa área, na posse ininterrupta ede boafé, por mais de cinco
anos, de considerável número de pessoas, e estas nela tiverem realizado, em
conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de
interesse social e econômico relevante."
§ 5° No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará
ajusta indenização devida ao proprietario ; pago o preço, valerá a sentença
como titulo para a transcriçao do imóvel em nome dos possuidores."
Como se vê, é conferido ao juiz poder
expropriatório, o que não é consagrado em nenhuma legislação.
A operabilidade – Muito importante foi a
decisão tomada no sentido de estabelecer soluções normativas de modo a
facilitar sua interpretação e aplicaçao pelo operador do Direito.
Nessa ordem de idéias, o primeiro cuidado foi eliminar
as duvidas que haviam persistido durante a aplicação do Código anterior.
Exemplo disso é o relativo à distinção entre prescrição
e decadência, tendo sido baldados os esforços no sentido de
verificar-se quais eram os casos de uma ou de outra, com graves conseqüências
de ordem prática.
Para evitar esse inconveniente, resolveu-se enumerar,
na Parte Geral, os casos de prescrição, em numerus clausus, sendo as
hipóteses de decadência previstas em imediata conexão com a disposição
normativa que a estabelece. Assim, por exemplo, após o artigo declarar quaI a
responsabilidade do construtor de edifícios pela higidez da obra, é
estabelecido o prazo de decadência para ser ela exigida.
Por outro lado,
pôs-se tenno a sinonímias que possam dar lugar a duvidas, fazendo-se, por
exemplo distinção entre associaçào e sociedade, destinando-se
aquela para indicar as entidades de fins não econômicos, e esta para designar
as de objetivos econômicos.
Não menos relevante é a resolução de lançar mão,
sempre que necessário, de cláusulas gerais, como acontece nos casos em
que se exige probidade, boa-fé ou correção (corretezza) por parte do
titular do direito, ou quando é impossíveI determinar com precisão o alcance da
regra jurídica. É o que se dá, por exemplo, na hipótese de fixação de alugueI
manifestamente excessivo, arbitrado pelo locador e a ser pago pelo locatário
que, findo o prazo de Iocação, deixar de restituir a coisa, podendo o juiz, a
seu critério, reduzi-Io, ou verbis:
Art. 575,
parágrafo único -"Se o alugueI arbitrado for manifestamente excessivo,
poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de
penalidade".
São previstas, em suma, as hipóteses, por assim dizer,
de indeterminação do preceito, cuja aplicação in concreto caberá
ao juiz decidir, em cada caso ocorrente, à luz das circunstâncias ocorrentes,
taI como se dá, por exemplo, quando for indeterminado o prazo de duração do
contrato de agência, e uma das partes decidir resolvê-lo mediante aviso prévio
de noventa dias, fixando tempo de duração incompatível com a natureza e o vulto
do investimento exigido do contratante, cabendo ao juiz decidir sobre sua
razoabilidade e o valor devido, em havendo divergência entre as partes,
consoante dispõe o art. 720 e seu parágrafo único.
Somente assim se
realiza o direito em sua concretude, sendo oportuno Iembrar que a
teoria do Direito concreto, e não puramente abstrato, encontra apoio de
jurisconsultos do porte de Engisch, Betti, Larenz, Esser e muitos outros,
implicando maior participação decisória conferida aos magistrados.
Como se vê, o que se objetiva alcançar é o Direito em
sua concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato ede valor que devem
ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da norma.
Nessa ordem de idéias, merece menção o § 1° do art.
1.240, o quaI estatui que, no caso de usucapião de terreno urbano, "o
título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher,
ou a ambos, independentemente do estado civil".
Atende-se,
assim, à existência da união estáve1, considerada nova entidade familiar.
Observo,
finalmente, que a Comissão optou por uma linguagem precisa e atual, menos
apegada a modelos clássicos superados, mas fiel aos valores de correção e de
beleza que distinguem o Código Civil vigente.
4. Outras diretrizes
Não
creio ser necessário desenvolver argumentos justificadores da manutenção da Parte
Geral, que é da tradição do Direito patrio, desde Teixeira de Freitas e
Clóvis Beviláqua, independentemente da influência depois consagradora da tese
pelo Código Alemão de 1900. Bastará lembrar a resistência oposta pela grande
maioria de nossos juristas quando se quis elaborar um Código Civil, por sinal
que restrito, sem a Parte Geral, destinada a fixar os parâmetros do ordenamento
jurídico civil. É ela que estabelece as normas sobre as pessoas e os direitos
da personalidade, que estão na base das soluções normativas depois objeto
da Parte Especial. Merece encômios essa providência de incluir disposições
sobre os direitos da personalidade, uma vez que a pessoa é o valor-fonte
de todos os valores jurídicos.
Outra
iniciativa louváve1 foi a disciplina específica dos negócios juridicos que
são os atos jurídicos de mais freqüente ocorrência, expressão por excelência da
fonte negocial, ao lado das três outras fontes do direito, as leis, os
usos e costumes e a jurisprudência.
Quanto à
Parte Especial, preferiu-se seguir uma seqüência mais lógica, situando-se o Direito
das Obrigações como conseqüência imediata do antes estabelecido para os
atos e negócios juridicos, não sendo demais acentuar que há disciplina conjunta
das obrigações civis e mercantis, o que, repito, já constitui orientação
dominante em nossa experiência jurídica, em virtude do superamento do vetusto
Código Commercial de 1850, com efeito, já o Direito Comercial se baseia no
Código Civil.
Do Direito das Obrigações se passa ao Livro que trata do Direito
de Empresa, o quaI, a bem ver, se refere a toda a vida societária, corn
remissão à legislação especial sobre sociedades anônimas e sobre cooperativas,
por abrangerem questões que extrapolam da Lei Civil.
Quanto
ao termo Direito de Empresa, cabe assinalar que, graças a uma figura de
metonímia, ou, por melhor dizer, de sinédoque: está aí a palavra empresa
significando uma parte pelo todo que é o Direito da Sociedade. Fomos
levados a es sa opção, por se cuidar mais, no citado Livro, da sociedade
empresária, estabelecendo apenas os requisitos gerais da sociedade
simples, objeto da diversificada legislação relativa aos múltiplos tipos
das sociedades não empresariais.
Passa-se,
a seguir, a tratar da disciplina do Direito das Coisas, do Direito de
Familia e do Direito das Sucesõoes.
No que
se refere ao Direito de Familia, merece realce a distinção feita, por
iniciativa de Clóvis Couto e Silva, entre o Direito Pessoal e o Patrimonial de
Família, o que veio trazer mais limpidez ao texto. O regramento da união
estável ficou para o final, para ser apreciado sob os dois mencionados
aspectos, obedecido rigorosamente o disposto na Constituição.
5.
Inovações no direito de familia
Cabe lembrar
que, aprovado o Projeto na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado, foram
neste apresentadas cerca de 400 emendas, a maior parte pertinentes ao Direito
de Família, de autoria do saudoso senador Nelson Cameiro.
Corn a
convocação da Assembléia Nacional Constituinte, entendeu o Senado de suspender
a tramitação do Projeto do Código Civil, para aguardar possíveis alterações
nessa matéria. Na realidade, porém, ocorreram mudanças substanciais tão-somente
no Direito de Família, instaurando a igualdade absoluta dos cônjuges e dos
filhos, corn a supressão do pátrio poder, que, por sugestão minha, pas sou a
denominar-se "poder familiar".
É claro
que essas alterações irnportaram na emenda de vários dispositivos,
substituindo-se, por exemplo, pelo termo "ser humano" a palavra
genérica "homem" anteriormente empregada. Mais importante, porém,
foram as novas regras que vieram estabelecer efetiva igualdade entre os
cônjuges e os filhos, inclusive no pertinente ao Direito das Sucessões.
Nesse
sentido, o cônjuge passou a ser também herdeiro, em virtude da adoção de novo
regime geral de bens no casamento, o da comunhão parcial, corrigindo-se omissão
existente no Direito das Sucessões.
Por outro lado, o Projeto vern disciplinar rnelhor a união
estável como nova entidade familiar, que, de conformidade com o § 3° do
art. 226 da Constituição, só pode ser entre o homen e a mulher. Com a redação
dada à matéria, não há confusão possivel com o concubinato, visto como, nos
termos da citada disposição constitucional, a lei deve facilitar a conversão da
união estável ern casamento.
Não é
demais ponderar que, no tocante à igualdade dos cônjuges e dos filhos, o
disposto na nova Carta Magna representou adoção das emendas oferecidas pelo
senador Nelson Cameiro, o que facilitou o pronunciamento da Câmara Alta, ao
depois completado pela Câmara dos Deputados, graças a oportuna alteração do
Regimento do Congresso Nacional.
É o que posso
resumir, caros amigos, em tão pouco tempo, estando corn o sereno sentimento do
dever cumprido.
(I) A numeração indicada é a
do Projeto de Código Civil aprovado, por unanimidade, pela Comissão Especial do
Código Civil da Câmara dos Deputados, e publicado no Diário Oficial, em
2000.
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(*)
Le philosophe et juriste Miguel Reale (voir sa présentation sur ce site à
propos du livre en français Expérience et culture, 1990, dans la
collection de philosophie du droit de la B. P. C.) n'aura pas seulement œuvré
pour la Constitution de son pays : il aura aussi marqué de sa personne la
refonte totale du code civil brésilien, à la tête d'une commission constituée
en 1969 et dont les travaux ont abouti en 2002. De nouveaux principes
théoriques (trois principes – éthicité, socialité, opérativité –, en conformité
avec le tridimensionalisme qui a fait la renommée de Reale), de nouvelles
articulations, une nouvelle numérotation des articles par rapport au code du
XIXe qui avait été déjà refondu en 1916, ainsi que de nouvelles dispositions
visant la protection de la personne de la conception à la mort, les obligations
contractuelles ou le système de responsabilité, caractérisent cet
impressionnant nouveau code. Le texte de Reale ici reproduit correspond à une
conférence qu'il a présentée à la veille de sa promulgation à l'Académie
Pauliste des Lettres ; il figure en tête de l'édition qui vient d'en paraître à
la RT (Revista dos tribunais), São Paulo, Ier trimestre 2003.
Ndr
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© THÈMES VI/2003